sexta-feira, 22 de maio de 2015

Monique Prada organiza debate sobre a regulamentação da prostituição


 Foto: Arquivo Pessoal / Divulgação
 
“A lei em relação ao trabalho sexual não visa proteger a trabalhadora dos exploradores, visa nos obrigar a trabalhar sozinhas e de maneira insegura e inconstante. Por isso precisa ser mudada.”

Prostituta faz vaquinha para bancar Putadei em Porto Alegre

A pesar do nome parecer algo escrachado para celebrar o Dia Nacional das Prostitutas, a vaquinha tem o objetivo de financiar a vinda de palestrantes para a “Plenária Livre: Dia Internacional da Trabalhadora Sexual”, que será realizada na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, no dia 9 de junho. Trata-se de um espaço para discutir de forma concreta a regulamentação do trabalho sexual no Brasil.
 
Uma das principais organizadoras desse evento, que deve acontecer pela primeira vez no Estado com a participação prostitutas que estão na ativa é a garota de programa Monique Prada, que há seis anos ganha a vida com sexo, mas que sempre teve contato com profissionais do sexo e com a política durante sua vida.
 
Para bancar a vinda de palestrantes Monique criou a vaquinha para arrecadar dinheiro para o transporte das palestrantes, orçado em R$ 1,5 mil, e cuja meta está quase alcançada.
 
De acordo com ela a ideia do encontro é debater “sobre a regulamentação sobre a questão do preconceito, do estigma”, vencendo o temor de vir à público para debater sobre uma profissão que é empurrada para a clandestinidade e invisibilidade.
 
“Ainda é bem difícil de mobilizar porque a gente costuma trabalhar às escondidas. Tem gente que esconde de mãe a pai, muito pelo estigma, mas temos nos organizado bastante em termos de Brasil, América Latina e é um movimento que está crescendo muito rapidamente”, afirma Monique.
 
A regulamentação da profissão é discutida no Congresso por meio do Projeto de Lei 4211/2012, de autoria do deputado federal Jean Willys (Psol-RJ). Atualmente a proposta está na fila  (http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/recebendo-indicacoes) para a criação de uma comissão especial para debater o tema.

Leia a entrevista com Monique:


Monique Prada começou a trabalhar como garota de programa aos 19 anos | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Terra: Qual é o objetivo da vaquinha?
Monique Prada: A vaquinha cobre as passagens das debatedoras, o resto a gente tá atrás ainda.
 
Terra: Como vai ser esse encontro?
Monique Prada: Nós vamos fazer um debate sobre a regulamentação sobre a questão do preconceito, do estigma.
 
Terra: Como é para mobilizar as prostitutas para uma discussão como essas?
Monique Prada: Ainda é bem difícil de mobilizar, porque a gente costuma trabalhar às escondidas. Tem gente que esconde de mãe a pai, muito pelo estigma, mas temos nos organizado bastante em termos de Brasil, América Latina e é um movimento que está crescendo muito rapidamente.
 
Terra: Quem trabalha na rua ou por agência desempenha sua atividade sozinha ou tem aquela história de que tem um cafetão por trás?
Monique Prada: A legislação sobre o trabalho sexual é toda voltada para nos obrigar a trabalhar sozinhas. A Constituição de 88 prevê que todos os trabalhadores podem atuar por meio de cooperativa e atuar desse modo, exceto as trabalhadoras sexuais. Porque o trabalho sexual ainda faz parte do código penal. E precisa sair de lá para que as pessoas possam trabalhar em paz. As casas todas funcionam dia e noite, mesmo ilegalmente, e isso precisa ser regulamentado...
 
A lei em relação ao trabalho sexual não visa proteger a trabalhadora dos exploradores, visa nos obrigar a trabalhar sozinhas e de maneira insegura e inconstante. Por isso precisa ser mudada.
 
Por exemplo, se eu alugasse um apartamento e trabalhasse com uma amiga, uma colega, mesmo não recebendo nenhuma parcela do lucro dela, ambas estaríamos incorrendo em crime porque aquilo seria visto como associação para prostituição.
 
A lei só aceita o teu trabalho individual. E a ideia da lei é óbvia, é desestimular o trabalho sexual. A lei mais moderna sobre o trabalho sexual é de 1942, então ela já pode ser mudada. Mas também não pode ser mudada para pior, como alguns grupos feministas pretendem. Adotando o modelo sueco (que visa criminalizar a prostituição) e outras maneiras de repressão do trabalho sexual.

É difícil fazer as pessoas entenderem que a prostituição é um trabalho por conta da questão moral que vem junto?
Eu não gosto de dizer que é um trabalho como qualquer outro porque todo o trabalho tem suas particularidades. Mas é um trabalho. É muito difícil fazer com que as pessoas compreendam que você usa sexualidade para ganhar a vida, e que você goste disso, não goste, ou que essa seja sua melhor opção.
 
E é uma posição estranha quando você defende a regulamentação de direitos para a trabalhadora doméstica, que merece, e ao mesmo tempo procura invisibilizar a trabalhadora sexual, que tem um grau de vulnerabilidade tão grande quanto. Então é uma questão de moralismo.

Terra: De onde saiu esse teu engajamento?
Monique Prada: Foi quando eu comecei a ler sobre o assunto, há uns quatro, cinco anos. Mas na verdade eu sofri uma chantagem em um antigo relacionamento, caso eu não tomasse uma determinada atitude. E a partir daí decidi que eu iria me expor. E passei a me expor e estudar a questão, além de ser muito desconfortável você viver escondida, e a partir dai começou a militância.
 
Eu fui militante (política) durante a adolescência toda até começar com o trabalho sexual, dai comecei a me envolver com questões do meu trabalho e me afastei. Me reaproximei da militância faz uns 3 anos, mas sempre foi difícil de impor as minhas pautas.
 
Terra: Há quanto tempo tu trabalha como prostituta?
Monique Prada: Há muito tempo... com regularidade há seis anos. Mas eu sempre tive proximidade com o tema e com o meio. Minha tia era prostituta. Trabalhei por um tempo, casei, voltei, enfim...
 
Terra: É a primeira vez que se realiza um evento assim?
Monique Prada: Não. É a primeira vez que isso acontece no Rio Grande do Sul. Mas participei de eventos organizados pelo governo passado para debater, mas não com prostitutas. O evento pelo Dia Nacional das Prostitutas é a segunda vez que acontece, o primeiro foi organizado pelo Gapa (Grupo de Apoio e Prevenção da Aids) em 2004.
 
Terra: Como é o engajamento das prostitutas para um evento como esses?
Monique Prada: Depende. A gente já fez trabalhos de rua e teve uma receptividade boa. Mas o fato é que está todo mundo envolvido com o seu trabalho, procura não se expor e acaba se afastando um pouco.
 
Mas a gente tem apoio, tem local, tem um canto para debater, e com certeza existe interesse. A gente teve muita atuação durante a Copa, divulgando o PL Gabriela Leite (projeto de lei do deputado federal Jean Willys que visa regulamentar a atividade das profissionais do sexo) e parece que a recepção foi excelente.
 
Terra: Você acredita que possa surgir um movimento que venha a lutar pela regulamentação da profissão de prostituta?
Monique Prada: Com certeza, são muitas trabalhadoras no mundo, no País. Internacionalmente tem o Strass, que é o nosso sindicato na França, e nada impede que se faça o mesmo aqui no Brasil. Aqui no País temos a Rede Brasileira de Prostitutas, mas ela tem um alcance ainda limitado. Mas também tem a articulação Norte e Nordeste e elas ajudam muito. O Brasil é um lugar muito grande, então é uma questão de entrosamento.
 
Para que tu possa ter uma ideia, tem a AMMAR, que é a Associação de Mulheres Meretrizes da Argentina, e elas lançam candidata na eleição, que é a Georgina Orellano, candidata ao parlamento e com bastante chance de ser eleita.  Então, não é um movimento fraco, é um movimento um pouco invisibilizado, mas não é fraco.

Fonte: Terra

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